Laudos periciais na fase pré-processual da persecução penal

Os Peritos Oficiais de Natureza Criminal são policiaiscientíficos que analisam os vestígios de condutas sob investigação do Estado,responsáveis pela confecção de laudos periciais nos quais são apresentadas asprovas materiais.

Ao buscar a verdade dos fatos de forma absolutamenteimparcial e equidistante das partes, eles desenvolvem as provas em suaplenitude e instruem, de forma autônoma e independente, o processo penal,zelando para que esteja alicerçado em elementos objetivos, dotados de robustezcientífica e apartados de linhas investigativas.

No intuito de garantir que nenhum indivíduo sejainjustamente condenado ou equivocadamente inocentado, por conseguinte,estabelece-se a indispensabilidade do laudo pericial, e que o trabalho dosperitos se estenda por todo o âmbito da persecução penal.

Quanto à relação entre o laudo pericial e o inquéritopolicial, é evidente a contribuição da perícia criminal ao apresentar a provamaterial no transcurso da investigação criminal. Sublinhe-se, ademais, a naturezaambivalente do laudo que, ao mesmo tempo em que para o inquérito contribui,também dele se desvencilha, uma vez que, lastreado pela imparcialidade de suanatureza técnico-científica, visa à produção de efeitos que transcendem à fasepré-processual, destinando-se a auxiliar o julgador na formação de suaconvicção.

A atuação do perito oficial é exercida, diante disso, naqualidade de auxiliar da Justiça e sob a estrita exigência quanto à ética e àprobidade, justamente porque o trabalho pericial é fundamento do processo e dasentença, capaz de modificar substancialmente a vida dos indivíduos e deinfluir na existência das corporações empresariais. Não por acaso, exigem-sedesses profissionais atributos de imparcialidade equiparados aos magistrados (artigo 28° doCPP).

Além disso, o fato de se aplicar aos peritos oficiais ashipóteses de suspeição próprias dos magistrados, deixa claro que a função desseprofissional é indissociável da etapa judicial. Sob essa égide, ajurisprudência é assente no sentido de que, sendo o laudo pericial um meio deconvencimento do magistrado, a suspeição do perito enseja a nulidade dasentença de mérito[1].

Não há que se cogitar, então, qualquer possibilidade de quea atuação do perito oficial ao produzir as provas periciais esteja subordinadaà linha investigativa erigida no bojo do inquérito policial. Ao contrário, anão subordinação é essencial para se evitar o uso instrumental e distorcido daciência com vistas à adequação a determinada hipótese investigativa, o quedaria azo para que viesse a ser amordaçada e a verdade fosse calada.

Nesse sentido, eventuais interpretações que pretendamestabelecer relação de dependência entre o laudo pericial e o inquéritopolicial devem ser consideradas insubsistentes, até porque enquanto o laudo éimprescindível no caso de a infração deixar vestígios, sob pena de nulidadeprocessual (artigo 564, III, b c/c artigo 158 do CPP), o inquérito é,por sua própria natureza, dispensável (art. 12 e 39, §5º do CPP). Da mesmamaneira, também inexiste subordinação entre o perito oficial e o condutor doinquérito, sobretudo para que o primeiro não se influencie ou limite-se pelas hipótesesinvestigativas elaboradas pelo segundo.

Ademais, no próprio desempenho conjunto da atividadepericial inexiste subordinação entre os peritos oficiais designados, uma vezque a lei determina que sejam assentadas separadamente no laudo pericial, nocaso de divergência, as respectivas declarações de cada um deles(artigo 180 do CPP).

Assim, a premissa no ordenamento jurídico pátrio é a de queo condutor da investigação, por comando expresso da lei, tem o dever desolicitar o exame pericial, justamente para que se garanta, entre outrosfundamentos, o respeito ao princípio da ampla defesa e do contraditório,estabelecendo a indispensável paridade de armas entre o acusador e o defensor.

Nesse sentido, mesmo que o responsável pela condução doinquérito individualmente entenda que não seja necessária a realização deperícia, ele deverá solicitá-la se o crime deixou vestígios. Além disso, tendosido realizado o exame pericial, não poderá sob qualquer justificativa deixarde proceder à juntada dos laudos periciais, dificultando, sobretudo na faseprocessual, o amplo conhecimento por parte dos operadores do direito de queesses documentos existem, afinal, caberá tão somente à defesa dizer comprecisão se o exame lhe será ou não útil, bem como ao julgador formar suaconvicção pela livre apreciação das provas.

O dever de solicitar o exame pericial, desse modo, também sefundamenta na premissa de que não se pode, por qualquer que seja a razão,abdicar de dar o mais irrestrito conhecimento do conteúdo das conclusõescientíficas aos operadores do direito (defensores, acusadores e magistrados),sob pena de restar em prejuízo ao princípio da ampla defesa e do contraditório.

Nesse diapasão, é importante estabelecer instrumentoscapazes de promover ampla auditoria dos inquéritos policiais, maisespecificamente visando a assegurar a determinação de indispensabilidade doexame pericial e a juntada de laudos periciais produzidos em sedeinquisitorial, com o objetivo de dirimir incertezas e de alcançar a garantia deque absolutamente todos os documentos elaborados pelos peritos oficiais sejamadequadamente disponibilizados aos operadores do direito, evitando assim que oconhecimento da existência de tão importante e indispensável meio de provadependa unicamente do juízo do condutor da investigação.

A utilização de tal procedimento de auditoria permitiria,ademais, avaliar o impacto no processo e decisão judicial correlatos.

Ainda que inexista dispositivo expresso que permita apura caracterização de abuso de autoridade ao ato de não solicitar a períciaoficial ou de dispensa do laudo pericial produzido, no todo ou em parte, oinciso II do parágrafo único do artigo 23 da Lei nº 13.869, de 5 desetembro de 2019, permite inferir que a omissão, seja no pedido, seja najuntada do laudo pericial, poderia constituir crime de abuso de autoridade, umavez que seria dever do condutor do inquérito solicitar a realização do examepericial quando o crime deixar vestígio (por comando expresso do CPP), nãopodendo simplesmente optar por não fazê-lo ou não juntá-lo. Em assim sendo,estaria conscientemente deixando de solicitar algo que poderia inocentar o réuou abstendo-se de juntar aos autos algo que a defesa poderia utilizar parainocentá-lo.

Além disso, como medida necessária para que se mantenha aimprescindível observação ao princípio da ampla defesa e do contraditório emmatéria penal, é importante se debruçar sobre a conveniência de que os própriosPeritos Oficiais também possam disponibilizar, de forma direta, o resultado deseus trabalhos, não se admitindo o inquérito policial como o único instrumentoapto a conduzir o laudo pericial ao bojo do processo penal. Tal ação tem ocondão de tornar conhecido o resultado das análises científicas pelosoperadores do direito na fase processual, sem o perigo de eventuais omissões emfase inquisitorial. Promover essa independência poderá evitar que se reduza averdade dos fatos a uma pseudorrealidade absolutamente distinta, prejudicandosobremaneira a defesa e incorrendo na grave possibilidade de levar a erro otitular da ação penal e o próprio julgador.

Tanto no âmbito pré-processual, quanto na seara processual,não é difícil perceber, por todo o exposto, que a característica absolutamenteindependente do laudo  pericial em relação ao inquérito policial — e, comodecorrência, a autonomia técnico-científica das conclusões neles erigidas —previne a possibilidade de abusos de autoridade, configurando, antes de tudo,garantia à sociedade que repercute, ao fim e ao cabo, no robustecimento dajustiça criminal no país. Tais fundamentos justificam, desse modo, aimportância da independência do laudo pericial no curso da apuração criminal, aimprescindibilidade de se garantir a atuação autônoma dos peritos oficiais emrelação à condução do inquérito e às hipóteses da investigação, assim como anecessidade de acompanhamento pari passu da demanda por laudose de sua respectiva juntada nos inquéritos policiais lavrados.

[1] TRF-4 - AC: 502976877201840499995029768-77.2018.4.04.9999, Relator: OSNI CARDOSO FILHO, Data de Julgamento:13/08/2019, QUINTA TURMA; TJ-PE - APL: 4763724 PE, Relator: Francisco ManoelTenorio dos Santos, Data de Julgamento: 18/10/2018, 4ª Câmara Cível, Data dePublicação: 29/10/2018.

Fonte: www.conjur.com.br/2020-jan-20/marcos-camargo-laudos-periciais-fase-pre-processual

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